O
Envelhecimento da Cachaça
O
processo de envelhecimento natural da cachaça consiste em armazená-la
em barris de madeira por um tempo determinado, ação que produz resultados
na composição química, no aroma, no sabor e na cor da bebida.
Durante o envelhecimento, ocorrem numerosas reações que resultarão
em diferenças significativas, do ponto de vista sensorial, entre uma cachaça
que tenha sido envelhecida de uma que não tenha passado por tal processo.
A
cachaça envelhecida sofre influência, principalmente, da oxidação
de componentes gerados na fermentação e destilação,
e também de componentes extraídos da madeira e incorporados à
bebida. Para o envelhecimento da cachaça são utilizados barris de
madeira. O termo tonel é bastante usado para nomear esses recipientes.
No entanto, a determinação do nome, tonel ou barril, depende da
sua capacidade de armazenamento.
Tonéis
são os recipientes que possuem capacidade de armazenamento de 1.000 a 500.000
litros. São utilizados para receber a bebida e executar misturas de cachaça.
Não são tão propícios ao envelhecimento, pois a área
de contato da bebida com a madeira em relação ao volume total é
pequena. Já os barris são recipientes menores que os tonéis,
cuja capacidade de armazenamento varia, em geral, de 100 a 550 litros. Os de 250
litros são os mais usados, pois têm maior facilidade de manuseio,
preço mais acessível e melhor área de contato da bebida com
a madeira. No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
estabelece que o recipiente utilizado para o envelhecimento da cachaça
deve ter a capacidade máxima de 700 litros.
A
temperatura e a umidade do ambiente também influenciam na qualidade da
bebida. Bebidas envelhecidas em ambientes cuja temperatura varia de 9 a 15°C,
e a umidade relativa é próxima a 73%, apresentam aroma mais fino
e agradável. Para alcançar a temperatura ideal, recomenda-se que
o local de armazenamento possua pé-direito alto (acima de 4 metros) ou
que a adega seja subterrânea. Telhados de barro, paredes e piso de pedra
também contribuem para amenizar os efeitos do calor no local de armazenamento.
Embora
o barril sirva em primeiro lugar como um reservatório, ele atua também
como uma membrana semipermeável que permite a passagem de álcool
e vapores de água para o ambiente externo. Esse fenômeno é
parte fundamental do processo de envelhecimento.
As
características do barril – tipo de madeira, idade e tamanho – e as condições
ambientais do local de armazenamento serão determinantes no processo de
envelhecimento da cachaça. Quanto mais novo o barril, maior será
a influência da madeira no sabor, odor e aroma da cachaça. O tamanho,
ou seja, a capacidade de armazenamento dos barris, também influencia no
processo de envelhecimento. Se compararmos dois barris de tamanhos diferentes,
mas feitos da mesma madeira e com a mesma idade, no recipiente menor a bebida
terá mais contato com a madeira e, conseqüentemente, a extração
dos componentes (da madeira) será maior.
O
tamanho do barril também tem influência na evaporação
da bebida durante seu período de envelhecimento. Bebidas alcoólicas
estocadas em barris pequenos sofrem uma perda maior por evaporação.
Um estudo feito com barris de carvalho constatou perda ou diminuição
do volume de aproximadamente 2% ao ano em recipientes de 500 litros. Esse índice
chegou a 3% nos barris de 250 a 300 litros.
Para
manter a umidade alta, é comum a construção de cascatas e
valetas com água corrente no recinto de envelhecimento. Outra opção
é molhar freqüentemente o ambiente, incluindo os barris. É
comum a variação de nível de umidade dentro um mesmo cômodo
de envelhecimento. Em locais próximos ao telhado a atmosfera tende a ser
mais seca; já em áreas próximas ao chão, a umidade
é maior.
A
umidade afeta o volume dentro do barril e o teor alcoólico, tendo pouco
efeito sobre outros componentes da bebida. Já as temperaturas mais baixas
minimizam perdas por evaporação e favorecem o desenvolvimento do
bouquet.
A
concentração de álcool na bebida estocada tem influência
no desenvolvimento do aroma. Para bebidas destiladas, o teor alcoólico
indicado para o envelhecimento é de aproximadamente 63% v/v. Nesse índice
(63% v/v) há uma maior extração dos componentes da madeira
(muitos compostos que proporcionam sabor e aroma à bebida são mais
solúveis em álcool do que em água). Teores mais altos de
álcool diminuem a velocidade de envelhecimento e de desenvolvimento do
aroma.
Após
o período de envelhecimento, adiciona-se água potável ou
cachaça com menor teor alcoólico para que o produto final tenha
o teor pretendido pelo produtor (de 38 a 48% vol). O tempo de armazenamento ideal
sofrerá variações de acordo com as características
do barril (tipo de madeira, idade e tamanho) e com as condições
ambientais do local de armazenamento (temperatura e umidade). Não é
correto dizer que a cachaça melhora de qualidade indefinidamente com o
tempo de armazenamento. Quanto maior o tempo de contato da cachaça com
a madeira, maior será a extração de componentes, que, em
excesso, podem incorporar um sabor amargo à bebida. O contato exagerado
com a madeira também pode acarretar um aumento indesejável da acidez
volátil, dependendo das condições do barril ou tonel.
Para
a obtenção de uma cachaça de qualidade, é de fundamental
importância a presença do profissional que acompanha a evolução
do sabor e do aroma da bebida durante o seu período de envelhecimento.
A cachaça estará pronta para o engarrafamento quando atingir a plenitude
do sabor e do aroma.
A
mistura correta de cachaças de vários barris – mais novos e/ou mais
velhos, estocados em cima e em baixo – e de várias idades também
será decisiva na qualidade do produto final.
Cachaças
envelhecidas durante muitos anos podem ser "cortadas" (ou misturadas)
com cachaças de outras idades. Para esses casos, há critérios
estabelecidos por lei para a definição do tempo de envelhecimento,
o qual constará do rótulo do produto (Instrução Normativa
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Bebidas
destiladas, como a cachaça, reagem de maneira diversa das bebidas fermentadas
(cerveja e vinho, por exemplo) após terem sido engarrafadas.
Vinho
e cerveja são produtos que não passam pelo processo de destilação,
sendo ricos em componentes e possuindo teor alcoólico menor.
A
cerveja, cujo teor alcoólico varia de 4 a 5% v/v, passa por um processo
de pasteurização antes de ser envazada.
No
caso do vinho, cujo teor alcoólico varia de 8 a 13% v/v, o mais comum é
que sejam utilizados conservantes para garantir sua qualidade no tempo, considerando-se
que também é um produto muito rico em substâncias além
do álcool.
Já
a cachaça, bebida com o teor alcoólico mais alto (38 a 48% v/v),
não necessita de pasteurização nem de uso de conservantes.
Por se tratar de um produto não perecível, o tempo de estocagem
em garrafa não influenciará a qualidade do produto (desde que a
garrafa esteja completamente lacrada). Após aberta a garrafa, poderá
ocorrer perda de volume e de teor alcoólico da bebida.
Fonte: Cachaça – Um Amor Brasileiro (Melhoramentos;
166 páginas; 59 reais), de Alessandra Garcia Trindade